Em mais um editorial contundente, o Estadão critica severamente a atuação do Supremo Tribunal Federal (STF), desta vez na figura de seu presidente, ministro Luís Roberto Barroso, por usurpar prerrogativas que pertencem exclusivamente ao Governo do Estado de São Paulo. Segundo o jornal, a imposição pelo ministro do uso obrigatório de câmeras corporais por policiais militares, além de extrapolar os limites constitucionais do STF, representa uma afronta direta ao princípio federativo e à independência dos poderes.
A crítica recai especialmente sobre o fato de o ministro não apenas determinar a implementação de uma política pública, mas também definir, de forma detalhada, como ela deve ser executada. Essa interferência, como aponta o Estadão, fere gravemente a Constituição Federal e a responsabilidade institucional que deveria guiar o Supremo. Barroso, em sua decisão, exigiu ainda que o governo paulista prestasse contas ao STF sobre regulamentações internas e divulgasse estatísticas relacionadas às câmeras corporais, demonstrando um avanço sobre atribuições que cabem exclusivamente ao Poder Executivo estadual.
O editorial ressalta que, ao permitir que membros de uma instituição cujos cargos não são eleitos democraticamente determinem políticas públicas locais, o STF desrespeita a autonomia dos estados e subverte os princípios da democracia representativa. “Não é papel da mais alta instância do Judiciário fiscalizar a execução de políticas públicas em nível tão operacional,” pontua o texto.
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Poucos haverão de negar o valor das câmeras da PM para aprimorar a segurança em SP. Mas não cabe ao STF impor ao governo nem se nem como essa política deve ser implementada
O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Luís Roberto Barroso, impôs ao governo de São Paulo o uso obrigatório de câmeras corporais por policiais militares (PMs) “envolvidos em operações policiais”. Barroso não se conteve e ainda definiu como, no seu entender, essa política de segurança deve ser executada. Os equipamentos, de acordo com o ministro, devem gravar ininterruptamente o turno dos PMs nas ruas até que o novo modelo licitado pelo governo estadual no ano passado seja testado e tenha “efetividade operacional” comprovada – em particular o modo de acionamento remoto das câmeras, ou seja, sem a intervenção do policial militar em campo.
Para coroar mais essa intromissão do Judiciário em seara do Executivo, Barroso também exigiu, entre outras medidas, que o governo de São Paulo preste ao STF “informações sobre a regulamentação dos processos disciplinares por descumprimento do procedimento operacional do uso de câmeras corporais” e divulgue os “respectivos dados estatísticos”. Ao Supremo não cabe, é evidente, impor quais políticas públicas um governador de Estado – no caso, Tarcísio de Freitas – deve ou não implementar. Menos ainda, deveria ser ocioso dizer, é papel da mais alta instância do Judiciário fiscalizar a eventual execução dessas políticas em nível tão operacional, como quer o sr. Barroso.
Este jornal já se posicionou não poucas vezes nos últimos quatro anos a favor da ampliação do uso das câmeras corporais pela PM paulista, desde bem antes, portanto, de casos escabrosos de violência policial terem vindo a público, como há poucos dias. Trata-se de questão de princípio e de respeito aos fatos, haja vista que há estudos em profusão que evidenciam o impacto positivo da gravação de intervenções policiais em áudio e vídeo para a proteção da vida dos cidadãos em geral e dos próprios policiais militares, em particular. Logo após ter sido implementado pelo então governador João Doria, em 2020, o Programa Olho Vivo reduziu drasticamente o índice de letalidade policial dos batalhões da PM paulista equipados com as bodycams.
Ademais, as gravações fornecem à Justiça e à corregedoria da corporação elementos de prova para a eventual punição dos maus policiais e, na direção oposta, para a valorização dos bons, vale dizer, daqueles que exercem a atividade policial dentro das estritas balizas legais a que estão submetidas as forças policiais de qualquer democracia que se preze.
Portanto, o grave erro cometido pelo ministro Barroso consiste na exorbitância de poder, e não na compreensão de que as câmeras corporais, somadas a medidas como treinamento e investimentos na capacitação física e mental dos policiais militares, são importantes instrumentos à disposição do governo estadual para melhorar continuamente a qualidade de sua política de segurança pública e, no limite, salvar vidas.
Provocado pela Defensoria Pública do Estado de São Paulo, Barroso mal escondeu a dimensão política de sua decisão ao enumerar, entre suas razões de decidir, o “agravamento do cenário fático em relação à situação de dezembro de 2023″ no que concerne à letalidade policial. De fato, não há quem de boa-fé vá brigar com a realidade e negar que a PM de São Paulo é uma das polícias mais letais do País – a quinta, atrás das PMs da Bahia, do Rio de Janeiro, do Pará e de Goiás, segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2023. Também é verdade que a letalidade policial por 100 mil habitantes dobrou desde quando Tarcísio assumiu o governo de São Paulo. Mas esse é um problema do governador, que, na condição de mandatário, é quem deve prestar contas à sociedade por seus eventuais erros na condução da política de segurança pública – alguns dos quais, a propósito, ele já reconheceu em público. Não é um problema do STF.
Barroso, porém, parece crer que os eleitores paulistas são incapazes de avaliar por si sós o desempenho daqueles que elegem. E, lamentavelmente, ele não está só entre os pares nesse olhar paternalista, que a um só tempo abastarda o Supremo e a democracia representativa.
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