Desde que o chefe da Igreja Ortodoxa Russa declarou a invasão da Ucrânia pelo presidente Vladimir Putin uma " guerra santa " no ano passado, a guerra em andamento — que começou em 2014, mas teve uma escalada dramática com a invasão de Putin em fevereiro de 2022 — assumiu tons ainda mais religiosos.

A invasão, que marca o conflito mais significativo e mortal na Europa desde a Segunda Guerra Mundial, causou centenas de milhares de baixas militares e dezenas de milhares de vítimas civis ucranianas.

Em 27 de março, o Conselho Mundial do Povo Russo, liderado pelo Patriarca da Igreja Ortodoxa Russa Kirill, um fiel aliado de Putin, declarou que a "operação militar especial" na Ucrânia nada mais é do que "uma guerra santa na qual a Rússia e seu povo, defendendo o único espaço espiritual da Santa Rússia, cumprem a missão de 'Ocultar' que protege o mundo do ataque do globalismo e da vitória do Ocidente que caiu no satanismo".

Acredita-se que esse "ocultamento", dizem os estudiosos, seja uma referência a uma longa tradição mística na teologia russa, que sustenta que a Rússia é a defensora da cristandade.

Nessa teologia, Moscou é frequentemente vista como a "Terceira Roma", após a queda de Constantinopla, e um lugar onde se acredita que as forças do bem estejam lutando contra a ascensão da figura do Anticristo no livro do Apocalipse, de acordo com Sarah Riccardi-Swartz, professora assistente de religião e antropologia na Northeastern University e autora de Between Heaven and Russia: Religious Conversion and Political Apostasy in Appalachia (Cristianismo Ortodoxo e Pensamento Contemporâneo) .

"Há uma ideia antiga na teologia mística russa de que a Rússia está segurando o Anticristo e está fazendo isso especificamente por meio das orações do falecido Czar Nicolau II", disse Riccardi-Swartz a uma publicação de propriedade da Northeastern em março. "Eles acreditam que o Czar Nicolau II está no Céu, intercedendo em favor deles, e por meio de suas intercessões a Rússia está tendo sucesso em segurar o Anticristo." 

Este conceito é conhecido como theologoumenon , ou uma opinião religiosa que pode ser debatida em vez de uma doutrina oficial. É talvez até mesmo utilizado em uma ou todas as várias igrejas ortodoxas e amplamente reconhecido tanto na Igreja Ortodoxa Russa quanto na Igreja Ortodoxa Russa Fora da Rússia , já que Nicolau II foi canonizado em ambas as jurisdições.

Em uma entrevista com o The Christian Post, Riccardi-Swartz traça as raízes dessa ideia para uma passagem do Novo Testamento em 2 Tessalonicenses 2:6-8 , que fala de um "restringidor" que impede o surgimento do mal antes do retorno de Cristo. Ela explica que alguns ortodoxos russos vincularam esse conceito a Nicolau II, que é visto como tendo servido como essa força restritiva durante sua vida. 

"Pensadores ortodoxos russos, por causa da morte horrível do czar nas mãos dos bolcheviques, sugeriram que foi o falecido czar que conteve o socialismo satânico pelo máximo de tempo que pôde antes de sua morte", diz Riccardi-Swartz. "Além disso, após sua morte, ele continua a conter metafisicamente o secularismo por meio de suas orações pela Rússia e pelo mundo."