Novos depoimentos do tenente-coronel Mauro Cid e um documento encontrado na sede do Partido Liberal em uma operação da Polícia Federal em fevereiro embasaram a ordem de prisão contra o general da reserva Walter Braga Netto neste sábado (14). O ministro Alexandre de Moraes, que assinou a decisão, considerou que “fatos novos e importantes” revelaram “diversas condutas destinadas a impedir ou embaraçar a referida investigação”. Alguns juristas, porém, avaliam que medida preventiva é ilegal por não haver nenhum fato que sugira uma obstrução da investigação em curso atualmente.
“Não há nenhum fato novo que demonstre estar havendo neste momento obstrução às investigações. Prisão preventiva não é punição, mas medida asseguradora da integridade das investigações. Se não há um fato novo atual obstruindo investigação, a prisão é ilegal”, avalia o jurista André Marsiglia à Gazeta do Povo, após análise da decisão de Moraes.
Marsiglia afirma que a prisão preventiva serve para garantir a ordem e a integridade das investigações em curso e que a alegação de que ele teria tentado obter dados sigilosos há mais de um ano não respalda tal medida. “É necessário que sejam concomitantes a obstrução e a prisão, pois prisão preventiva não é punição, mas medida assecuratória da investigação atual”, escreveu na rede social X.
O artigo 312 do Código do Processo Penal afirma que a prisão preventiva poderá ser decretada “quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria e de perigo gerado pelo estado de liberdade do imputado” ou “em caso de descumprimento de qualquer das obrigações impostas por força de outras medidas cautelares”.
A lei diz ainda que a “decisão que decretar a prisão preventiva deve ser motivada e fundamentada em receio de perigo e existência concreta de fatos novos ou contemporâneos que justifiquem a aplicação da medida adotada”. Nesse sentido, Marsiglia afirma que a tentativa de obstrução tem de ser atual, caso contrário, a prisão serve para punir, e não para garantir a integridade da investigação. “A questão temporal é vital nesse caso”, avalia.
A advogada Érica Gorga fez uma análise no mesmo sentido, ao citar em suas redes sociais o mesmo artigo do Código do Processo Penal e afirmar que a liberdade de Braga Netto não traz perigo para a ordem pública e não há fatos novos. Na avaliação dela sobre a decisão de Moraes, “tudo teria ocorrido há mais de um ano”.
Érica ainda opina que o relatório da PF não traz indícios suficientes de autoria dos crimes dos quais Braga Netto é acusado. “Tudo o que encontramos de mais palpável é foto de mensagem de whatsapp datada de 12 de setembro de 2023 – portanto HÁ MAIS DE UM ANO – trocada entre Mário Fernandes e Kormann. A mensagem diz que a mãe e o pai de Cid “ligaram para GBH” (supostamente General Braga Netto) “e GH” (supostamente General Heleno). MAS, estes são dois terceiros falando de uma ligação da qual NÃO há PROVA nenhuma que tenha efetivamente ocorrido”, escreveu a advogada na rede social X.
“Data vênia, não entendo como, juridicamente, pode-se embasar prisão tão flagrantemente ilegal”, concluiu Érica.
Cid disse à PF que Braga Netto tentou obter dados sobre sua delação
A Polícia Federal afirma que Braga Netto tentou obstruir as investigações sobre um suposto plano de golpe de Estado e tentativa de prender ou assassinar Moraes ao tentar obter informações sobre a delação premiada de Mauro Cid, fechada em setembro de 2023.
O principal indício trazido no relatório da PF é um documento de “perguntas e respostas” sobre o que seria a delação de Cid. O material foi encontrado na mesa do então assessor de Braga Netto, Flávio Peregrino, durante uma operação na sede do Partido Liberal, em fevereiro. Peregrino também foi alvo de uma operação de busca e apreensão neste sábado.
“Teor das reuniões. O que foi delatado?”, era uma das perguntas no documento, seguida de uma resposta abaixo, em vermelho: “Nada… eu não entrava nas reuniões, só colocava o pessoal para dentro”. O documento descreve também que “perguntaram muito do general Mario Fernandes”, ex-secretário-executivo da Secretaria-Geral da Presidência, que foi preso na Operação Contragolpe, conduzida pela PF em novembro deste ano. Em outro trecho diz que “não falou nada sobre os generais Heleno e BN”, em referência à Braga Netto, e que o “GBN não é golpista e estava pensamento democrático de transparência das urnas”.
Além desse material, a PF cita indicativos de obstrução em mensagens trocadas entre Mário Fernandes e o coronel Jorge Luiz Kormann. Nas mensagens, de setembro de 2023, Fernandes relata que os pais de Mauro Cid ligaram para Braga Netto e o general Augusto Heleno informando que é “tudo mentira”, possivelmente se referindo a matérias sobre o acordo de colaboração premiada do Cid que havia sido fechado dias antes. Também foram identificados registros de mensagens apagadas e ligações entre Braga Netto e o pai de Cid, Lourena Cid, em agosto de 2023.
Em um novo depoimento à Polícia Federal, em 5 de dezembro, Mauro Cid confirmou que Braga Netto estava tentando obter dados da colaboração premiada na época em que o acordo estava sendo firmado, por meio do pai de Cid, o general Lourena Cid, que, em depoimento à PF em 6 de dezembro, disse ter conversado com Braga Netto quando o filho foi solto pela primeira vez, mas sem confirmar o teor do que falaram.
Cid afirmou que Braga Netto repassou dinheiro a militares em sacola de vinho
A PF trouxe ainda mais um elemento complicador para Braga Netto: Mauro Cid mudou a versão que havia dado sobre uma reunião que teria ocorrido na casa do general em novembro de 2022 com o major Rafael de Oliveira e o tenente-coronel Ferreira Lima, ambos integrantes das Forças Especiais do Exército.
Em março de 2024, Cid disse aos investigadores que no encontro conversaram sobre a conjuntura do país e a legalidade das manifestações contra a eleição de Lula que estava ocorrendo em frente aos quarteis do Exército em várias cidades do país.
No depoimento mais recente, porém, Cid disse que depois desse encontro houve uma reunião, no Palácio do Alvorada ou do Planalto, em que Braga Netto teria entregado a Oliveira um dinheiro solicitado para a realização da operação. Segundo a PF, essa operação era o “plano copa 2022”, que teria como objetivo assassinar ou prender o ministro Alexandre de Moraes. O dinheiro teria sido entregue em uma sacola de vinho e, segundo Mauro Cid, foi obtido junto ao “pessoal do agronegócio”.
Na decisão que mandou prender Braga Netto, Moraes escreveu que “há fortes indícios e substanciais provas de que, no contexto da organização criminosa, o investigado WALTER SOUZA BRAGA NETTO contribuiu, em grau mais efetivo e de elevada importância do que se sabia anteriormente, para o planejamento e financiamento de um golpe de Estado, cuja consumação presumia, na visão dos investigados, a detenção ilegal e possível execução do então Presidente do TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL e Ministro do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, com uso de técnicas militares e terroristas, além de possível assassinato dos candidatos eleitos nas Eleições de 2022, LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA e GERALDO ALCKMIN e, eventualmente, as prisões de pessoas que pudessem oferecer qualquer resistência institucional à empreitada golpista”.
O ministro do STF também afirmou que a Polícia Federal demonstrou a presença dos “requisitos necessários e suficientes para a decretação da prisão preventiva” de Braga Netto, tendo comprovado “a materialidade e fortes indícios de autoria” dos crimes de abolição violenta do estado democrático de direito, de tentativa de golpe de Estado e de organização criminosa, além de ter apontado “o perigo gerado pelo estado de liberdade do imputado, em constante tentativa de embaraço às investigações”.
O que diz a defesa de Braga Netto
A defesa de Walter Braga Netto afirmou na tarde deste sábado (14) que se manifestará sobre a prisão do ex-ministro após ter “plena ciência dos fatos que ensejaram a decisão proferida”. Em nota, os advogados também disseram que vão comprovar que não houve obstrução das investigações.
“A Defesa técnica do General Walter Souza Braga Netto tomou conhecimento parcial, na manhã de hoje (14/12/2024), da Pet. 13.299-STF. Registra-se que a Defesa se manifestará nos autos após ter plena ciência dos fatos que ensejaram a decisão proferida. Entretanto, com a crença na observância do devido processo legal, teremos a oportunidade de comprovar que não houve qualquer obstrução às investigações”, diz a nota, assinada pelos advogados Luís Henrique César Prata, Gabriella Loenel de S. Venâncio e Francisco Eslei de Lima.
Prisão de Braga Netto foi mantida após audiência de custódia
O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes manteve a prisão preventiva de Braga Netto após a audiência de custódia na tarde deste sábado (14), realizada por videoconferência e conduzida por um juiz auxiliar do gabinete do ministro.
O general foi preso pela Polícia Federal nesta manhã em Copacabana, no Rio de Janeiro, com apoio do Exército, e está detido em uma instalação militar, onde está sob custódia das Forças Armadas. Ele é acusado de obstrução de justiça no inquérito que apurou a suposta tentativa de golpe para impedir a posse do governo Lula. A ordem de prisão foi expedida por Moraes.
Bolsonaro e oposição criticam prisão preventiva
O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) questionou, na noite desta sábado (14), a prisão preventiva de Braga Netto, vice em sua chapa presidencial em 2022, citando que a medida veio após o inquérito já ter sido concluído pela Polícia Federal.
“Há mais de 10 dias o ‘Inquérito’ foi concluído pela PF, indiciando 37 pessoas e encaminhado ao MP [Ministério Público]. Como alguém, hoje, pode ser preso por obstruir investigações já concluídas?”, escreveu na rede social X.
Senadores como Hamilton Mourão (PL-RS), Rogério Marinho (PL-RN) e Jorge Seif (PL-SC) também se pronunciaram nas redes sociais sobre a prisão de Braga Neto.
“A prisão de Braga Neto tem dois objetivos: pressioná-lo a delatar Bolsonaro de um crime que não existe e desviar a atenção do Lula no Sírio-Libanês. Fim!”, publicou Seif no X.
O senador e ex-vice-presidente Hamilton Mourão seguiu uma linha similar, afirmando que “o General Braga Netto não representa nenhum risco para a ordem pública e a sua prisão nada mais é do que uma nova página no atropelo das normas legais a que o Brasil está submetido”.
O líder da oposição no Senado, Rogério Marinho, afirmou que a prisão do general “revela novo atropelo do Ministro Alexandre de Moraes ao devido processo legal”.
“Não existindo qualquer fato novo que justificasse a prisão cautelar, a pretensa obstrução à justiça não só não se sustenta, como revela novo prejulgamento de um juiz parcial, com a finalidade de antecipar o cumprimento da pena. O fim do ano está chegando, parece importante continuar a esquentar a narrativa, que claramente não encontrou eco na sociedade”, escreveu o senador em suas redes sociais.
Governistas comemoram prisão de Braga Netto
A prisão de Braga Netto também gerou reações de integrantes do governo. Paulo Pimenta, ministro-chefe da Secretaria de Comunicação do Governo Lula, disse que todos os golpistas precisam ser investigados, julgados e responsabilizados por atentarem contra a democracia.
A presidente do PT, deputada federal Gleisi Hoffmann (PR), disse que o grupo político de Braga Netto queria “se manter no Governo a qualquer custo”. “Essa prisão, a condenação de Roberto Jefferson a 9 anos de prisão pelo STF e a formação de maioria no TRE-SP para cassar a deputada Carla Zambelli por suas mentiras são notícias importantes no enfrentamento à extrema direita. São três nomes da cúpula bolsonarista que cometeram crimes gravíssimos contra a democracia”, escreveu, referindo-se a outras decisões da justiça nesta semana.
O que disse o Exército após a prisão de Braga Netto
Após a prisão de Braga Netto, o Centro de Comunicação Social do Exército informou que o general ficará sob custódia do Exército, no Comando da 1ª Divisão de Exército na cidade do Rio de Janeiro e que está acompanhando as diligências realizadas por determinação da justiça e colaborando com as investigações em curso.
“A Força não se manifesta sobre processos conduzidos por outros órgãos, procedimento que tem pautado a relação de respeito do Exército Brasileiro com as demais instituições da República”, termina a nota.
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