Elas foram denunciadas por suspeita de violência física e psicológica contra crianças que frequentaram a unidade de Villeneuve d'Ascq, na periferia de Lille. Esta rede particular de creches está no centro de um escândalo de maus-tratos relatados em um livro lançado na semana passada.
O livro "Os Ogros" ("Les Ogres", em francês) é a segunda grande investigação do jornalista independente Victor Castanet a respeito de maus-tratos em estabelecimentos que propõem serviços a públicos vulneráveis.
Em 2022, Castanet já tinha chacoalhado a sociedade francesa com a publicação do livro "Os Coveiros" ("Les Fossoyeurs"), que revelou negligências contra idosos em casas de repouso do grupo Orpea, acusado na época de uma série de irregularidades em seus estabelecimentos.
Em "Os Ogros", o jornalista relata que a privatização das vagas em creches, um processo que se acentuou na França na última década, em detrimento da criação de novas creches públicas, administradas pelos municípios, criou distorções nesta prestação de serviços às famílias.
Enquanto uma vaga em uma creche pública tem custo estimado de € 12 mil por ano (cerca de R$ 74 mil), devido à qualidade do atendimento feito por profissionais qualificados, algumas redes privadas foram baixando os valores nas licitações, a ponto de oferecer vagas a € 4.700 (R$ 29.000, aproximadamente). Para chegar a esse preço, os cuidados com bebês e crianças de baixa idade foram negligenciados.
A rede People&Baby não é a única denunciada no livro de Castanet, mas aquela que acumula as mais graves acusações. O fundador da rede, o empresário Christophe Durieux, descrito por Castanet como "um empresário megalomaníaco e sem empatia", teria imposto um sistema de gestão de alimentos e fraldas que deixava as crianças subalimentadas e sujas. Vários pais denunciaram violência física e psicológica depois de encontrarem os filhos com marcas no corpo ao voltarem para casa, ou chorando muito de medo, principalmente no momento em que eram deixados pelos pais na creche.
Marcas no corpo e choro desesperado
Na origem do julgamento aberto nesta segunda-feira, em Lille, está uma mãe que denunciou a People&Baby de Villeneuve d'Ascq, em 2021, depois de constatar marcas de tapas nos filhos gêmeos. O jornalista Victor Castanet estava presente na sala do tribunal.
As duas funcionárias da creche em questão são julgadas por violência física e psicológica, "suspeitas de terem adotado atitudes e gestos inadequados ao cuidado de uma criança pequena”, destacou o tribunal. A ex-diretora da estrutura comparece por atos denunciados pelos pais de três crianças, enquanto a ex-enfermeira é apontada por irregularidades no tratamento de oito crianças acolhidas na creche.
Na abertura da audiência, as duas advogadas de defesa solicitaram que o julgamento, já adiado duas vezes, fosse novamente adiado. Elas argumentaram que o processo deveria ser desvinculado da campanha de lançamento do livro, que chegou às livrarias na semana passada, por acreditarem que Castanet apontava as rés como "culpadas", antes de o debate jurídico começar.
O tribunal de Lille excluiu um adiamento, mas determinou que as audiências sejam fechadas ao público. Todos os jornalistas que estavam na sala tiveram de deixar o recinto, inclusive Castanet, que fala em um julgamento "emblemático".
Pouco antes do início da audiência, o advogado Patrick Lambert, que representa uma família que teve duas crianças nessa creche, vítimas de “abusos psicológicos, isolamento e má alimentação”, mas que também suspeita de violência física – "uma delas foi encontrada com um galo na testa”, contestou a estratégia da defesa. “Nosso espírito não é de vingança ou maldade, queremos apenas o reconhecimento da verdade”, enfatizou.
Um pai presente na sala, que entrou com uma ação civil e acusa a auxiliar de enfermagem de ter trancado o filho no escuro, disse que o menino, atualmente com 8 anos, tem problemas psicológicos. Segundo ele, as sequelas são múltiplas: agressividade, dificuldades na escola, medo do escuro, ansiedade.
“Este não é o julgamento da People&Baby, mas de dois indivíduos sobre os quais existem suspeitas”, disse à AFP o advogado Alexandre Schmitzberger, que representa uma família cujo filho voltou dessa creche com “arranhões na base do pescoço” e “marcas que parecem a mão de um adulto, no braço e no tronco".
“O debate é levado à praça pública (pelo livro de Victor Castanet) e permitirá, espero, questionar os problemas estruturais (...) que por vezes podem, sem dúvida, explicar os comportamentos”, ponderou Schmitzberger.
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