A morte do líder do Hamas em Gaza, Yahya Sinwar – considerado o cérebro dos massacres de 7 de Outubro de 2023 em Israel – abre “uma nova perspectiva” para um cessar-fogo no território palestino, disse neste sábado (19) o chefe da diplomacia europeia, Josep Borrell. Em Israel ou em Gaza, a eliminação de Sinwar suscita esperança de que o fim do conflito esteja próximo.
Na Faixa de Gaza, bombardeada há mais de um ano por Tel Aviv desde os atentados do Hamas contra Israel, o correspondente da RFI Rami al Meghari encontrou palestinos que celebraram a morte do líder do Hamas, na quinta-feira (17).
“Gerou um pouco de alegria nas pessoas, porque talvez acabe com a guerra. É uma realidade que pode acontecer”, disse Yussef, morador de Deir el Balah. “As pessoas estão celebrando que ele morreu, afinal a guerra poderá acabar”, ressaltou.
No campo de deslocados de Jabaliya, Mohammed também estava confiante. “Se Deus quiser, as negociações para a paz poderão recomeçar e essa questão poderá ser resolvida muito em breve, com a ajuda do Catar e do Egito”, sublinhou, referindo-se aos dois países que, ao lado dos Estados Unidos, têm buscado mediar o diálogo entre Israel e o Hamas.
Outra moradora, Jemaa Abou Mendi, demonstra resignação com um conflito que parece não ter fim: “a guerra não parou e as matanças continuam com intensidade”, sublinhou ela, à agência AFP.
Em Israel, preocupação com o destino dos reféns
Para as pessoas próximas dos reféns e para as associações que os apoiam, o momento atual aumenta a expectativa por uma solução a curto prazo – mas também a preocupação com o destino de seus entes queridos ainda sequestrados. O Hamas ainda detém 101 reféns israelenses.
Como tem feito quase todas as noites, Sarah foi até a tenda montada há um ano em Jerusalém, segurando um retrato de um dos reféns. “Não sei realmente como me sentir, porque obviamente acho que o Hamas não deveria existir. Não posso me alegrar com a morte de alguém. Mas a perspectiva de chegar a um acordo é um grande passo”, observou.
Assim que foi anunciada a morte de Yahya Sinwar, o Fórum das Famílias de Reféns lançou um apelo ao governo para que aproveitasse o momento para avançar nas negociações indiretas com o grupo islâmico.
“Estamos num ponto de virada. Os objetivos traçados para a guerra contra Gaza foram alcançados, com exceção da libertação dos reféns. Sinwar, que foi descrito como um grande obstáculo a um acordo, não está mais vivo”, frisou Ronen Neutra, pai de um refém raptado em 7 de Outubro.
“É essencial que todas as atenções se concentrem agora em alcançar o objetivo de um acordo que garanta a libertação do nosso filho Omer e dos outros 100 reféns ainda em Gaza”, disse.
“É claro que é uma boa notícia que Yahya Sinwar já não esteja conosco, mas a nossa felicidade será impossível até que todos os reféns sejam devolvidos. Não procuramos vingança, nem a morte daqueles que mataram os seis reféns”, garantiu Gil Dickman, primo de Carmel Gat, um dos seis reféns encontrados mortos no final de agosto em Gaza. “O que queremos é a libertação dos 101 reféns”, continua. “A vingança não adianta. A vida deve estar em primeiro lugar.”
'Começo do fim', diz Netanyahu
Na quinta-feira (17), o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, sinalizou que “aqueles que deporem as armas e devolverem os reféns” poderão “viver e partir”. Mas o premiê especificou que a eliminação do líder do Hamas, um dos objetivos de Tel Aviv desde os atentados de 7 de Outubro, apenas marca o “início do fim” da guerra em Gaza.
Desde que o falecimento foi confirmado, nesta sexta-feira, lideranças internacionais disseram esperar que o acontecimento favoreça “um caminho para a paz” no Oriente Médio, como salientou o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden.
O alto representante da União Europeia para as Relações Exteriores, Joseph Borrell, se somou à lista: “Abre-se uma nova perspectiva e devemos aproveitá-la para obter um cessar-fogo e a libertação dos reféns [israelenses] em Gaza, e trabalhar para uma solução política”, disse ele a jornalistas, durante a reunião dos ministros da Defesa do G7 em Nápoles, na Itália.
Para Borrell, a morte “poderia ser uma oportunidade”, que também “abriria a porta para mais ajuda humanitária" para os palestinos afetados pelo conflito.
Aiatolá Khamenei garante que Hamas permanece vivo
Neste sábado, o líder supremo iraniano, aiatolá Ali Khamenei, afirmou que o grupo palestino Hamas está “vivo e assim permanecerá”, apesar da morte de Sinwar, alvo de uma operação militar israelense. Khamenei reconheceu que a perda de Sinwar é "dolorosa", mas a sua morte "não irá parar de forma alguma a frente de resistência” contra Israel – cuja existência o Irã não reconhece.
Yahya Sinwar, de 61 anos, “foi uma figura brilhante de resistência e luta” contra Israel, disse o aiatolá. “Ele permaneceu com determinação inabalável contra o inimigo cruel e agressor e deu-lhe um tapa com tato e coragem”, acrescentou.
Um dia antes de Sinwar ser nomeado chefe do Hamas, em agosto, o líder supremo iraniano publicou no seu site um vídeo de um raro encontro com ele, em 2011. Sinwar era, na época, membro da delegação do movimento islâmico palestino liderada por Ismail Haniyeh, o ex-chefe do grupo assassinado em Teerã, no final de julho, num ataque atribuído a Israel, e a quem ele sucedeu.
O movimento islâmico palestino afirmou, na sexta-feira, que os reféns detidos na Faixa de Gaza não seriam libertados antes de um fim da ofensiva israelense. O Hamas garantiu que a morte do seu líder iria “fortalecer” o movimento.
Grupo está mais fragmentado
Vários analistas sublinharam que Yahya Sinwar era um obstáculo a um acordo de libertação dos reféns, mas a sua morte desorganizou ainda mais o movimento, agora disperso em pequenas células, o que pode complicar as negociações futuras.
“Anteriormente, os esforços de negociação se baseavam na ideia de que Sinwar tinha uma ligação com a maioria dos que mantinham reféns e que poderia moldar as suas ações”, resumiu Jon Alterman, do grupo de reflexão americano CSIS. “O quadro está muito mais confuso agora e devemos ver resultados variados”, acrescentou este especialista.
O Soufan Center, com sede em Nova York, recorda que, segundo os serviços de inteligência norte-americanos, “a postura de Sinwar tinha se endurecido nas últimas semanas”, ao ponto de sugerir que “o Hamas já não estava interessado em obter um cessar-fogo ou um acordo de reféns.
O movimento islâmico palestino deve nomear uma nova liderança. Israel confiou as negociações aos seus serviços de inteligência, com a ajuda dos parceiros habituais – mas a tarefa não será mais simples do que antes.
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