Outubro marcou um ano da maior eleição para conselheiros tutelares desde a criação do cargo em 1990, com a promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). A campanha em 2023 teve grande repercussão nas redes sociais e resultou em uma vitória expressiva de candidatos conservadores e, concretamente, cristãos. Muitos deles, no entanto, nunca assumiram o cargo ou foram retirados da função após denúncias de "abuso de poder religioso”. Outros, eleitos, sofrem pressões e estão com dificuldades para defender as crianças de ideologias nos conselhos tutelares.
A Lei Federal nº 8.069, que institui o ECA, não impede a participação de representantes religiosos no Conselho Tutelar (CT). No entanto, a resolução nº 231 de 2022 do Conanda (Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente), que regulamenta as eleições para conselhos tutelares, incluiu um dispositivo – considerado inconstitucional por juristas – que prevê a possibilidade de questionar uma candidatura em caso de financiamento por entidades religiosas ou de veiculação de propaganda em templos de qualquer religião.
A cláusula, que fere o direito de liberdade religiosa, foi mencionada para impugnar candidatos que tiveram algum apoio religioso. Candidaturas foram questionadas por diversas situações, como casos em que pastores pediram orações durante o culto ou pelo fato de eleitos agradecerem a vitória em suas igrejas.
“É claro que organizações da sociedade civil, religiosas ou não, podem querer participar do processo de escolha dos conselheiros. A nossa sociedade, segundo a Constituição Federal, deve ser plural, permitindo às mais variadas organizações, participar do processo político”, afirma Alessandro Chiarottino, professor de Direito Constitucional e doutor em Direito pela USP.
“A vedação de participação política baseada na filiação religiosa é, portanto, absolutamente inconstitucional. É preciso lembrar que o Brasil é um estado laico (ou seja, que não favorece particularmente um tipo de crença, nem possui religião oficial), e não um estado laicista (que procura excluir a religião da esfera pública).”
André Amaral, do Instituto Brasileiro de Direito e Religião (IBDR), acredita que a impugnação dos cristãos põe em risco a diversidade e a liberdade de expressão no debate público, além de sugerir uma perseguição sistemática. “O sistema político brasileiro precisa evoluir para garantir uma sociedade mais justa, onde todas as ideologias, crenças e visões de mundo possam coexistir em um espaço de respeito e debate livre.”
“Do ponto de vista jurídico, não há um impedimento explícito que proíba um pastor ou líder religioso de abordar temas políticos durante um culto”, continua Amaral. “Quanto às orações, se uma pessoa crê em Deus e decide, em um momento público ou privado, orar em agradecimento ou pedir orientação divina, essa prática é protegida pelas garantias constitucionais.”
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